Crónicas do Hércules 2 - Belharra deixa a corda cair

Shane Dorian apanha uma das bestas que lhe deu a "vitória" neste Big Game. Foto: JV

Por João Valente

“Isto é que é o verdadeiro mundo das ondas grandes”, comentava José Gregório. “Estou extasiado”, dizia o big rider francês “Pilou” Ducalme. “Estou muito contente por ter vindo. Foi uma grande escolha”, reconhecia Grant “Twiggy” Baker, o sul-africano vencedor da prova do Big Wave World Tour realizada há um par de semanas em Punta Galea, no País Basco espanhol. O que têm em comum essas declarações? Nenhum dos três surfistas citados apanhou uma onda sequer digna desse nome. Gregório bem que tentou, no pouco tempo que teve disponível, antes e depois de se afastar para deixar espaço à brigada da remada, mas tendo largado a corda em algumas vagas de outside, nunca as viu rebentarem sobre a infame bancada de Belharra. Pilou tentou ir a braços, somente para ser apanhado por um set e partir a prancha ao meio antes de sequer ensaiar um drop. Por fim, Twiggy, que logo pela alvorada encontrara a sua mota de água afundada no cais de Ciboure, também não fizera uma única onda. O mundo das ondas grandes é muito diferente. Mas esta é uma realidade que a maioria dos meios nunca irá passar. Não combina com o excitamento das imagens e das parangonas que vendem revistas ou atraem acessos na internet.

BIG SURF = BIG GAME

Quando Gregório e Ruben Gonzalez ligaram a mota emprestada pela Quiksilver, rebocada num trailer dispensado por um amigo, atrelado ao carro de ainda outro amigo, partindo, ainda as primeiras luzes da manhã de 7 de Janeiro não haviam rompido a escuridão do céu biscaio, rumo ao mar aberto, era o culminar de um longo, demorado e pachorrento processo de quatro dias, entre o estudo da ondulação, a decisão de partir, a viagem e o reunir da logística necessária para este tipo de empreitada. Cada processo levou o seu tempo e há muito pouco de glamouroso em andar a percorrer as capelinhas atrás de equipamento, na incerteza de o conseguir, quando a falta do elemento aparentemente mais insignificante pode pôr tudo a perder. Faz parte. A paciência, o planeamento e a preparação são tão importantes no mundo das ondas grandes quanto no da caça. E se calhar não há em todo mundo analogia mais perfeita para o do big surf que a do big game.

As explosões de água no paredão do pequeno mas bem protegido porto de Ciboure, não disfarçavam a força do mar. Verdadeiras cascatas niagarianas derramavam-se sobre as altas e sólidas muralhas e, aos primeiros minutos da manhã, o line-up de Belharra revelava-se à distância como se estava à espera: distantes nuvens brancas a quebrar a escuridão de um horizonte ameaçador, ruidoso e impossivelmente vasto. A gangue motorizada, qual moderno grupo de caçadores, com pranchas como armas, ocupava os pontos mais estratégicos do line-up para capturar as bestas. A cena evocava memórias do filme Dune, de David Lynch, na cena da cavalgada dos vermes gigantes do planeta Arrakis. É fácil cair nos lugares-comuns do glamour de contornos épico quando o assunto são as ondas grandes. Não completamente honesto mas eficiente. A realidade, porém, revela aspectos se calhar não tão gloriosos.

O JOGO DA PACIÊNCIA (ou quem espera nem sempre alcança)


Com as equipas já a vasculharem o outside, e contrariando as tendências de um mundo tradicionalmente dominado pelos homens, foi a francesa Justine Dupont a abrir a sessão numa enorme bomba agarrada com a ajuda do seu condutor, o experiente François Lietz. Pouco tempo depois, e com mais algumas ondas já corridas, foi a vez de Ruben tentar a sua sorte. Optando por seguir para a direita por estar já o francês campeão do mundo de windsurf, Antoine Albeau, na esquerda, Ruben desceu com segurança e controlo a maior parte da montanha aquática, até inexplicavelmente, cair na base da onda, e ser engolido pela avalancha de espuma. Como se ficaria a saber mais tarde, a prancha do Ruben cedera à pressão da trepidação, acabando por partir-se junto a um dos pesos de chumbo colocados no blank. “Quando estava a chegar à base, senti uma coisa estranha na prancha, como que a travar-me, e mandei-me para a água”, contar-nos-ia mais tarde. “Foi uma grande sacudidela. Primeiro eu não penetrei na superfície e andei aos trambolhões pelo meio da espuma. Quando finalmente senti-me a mergulhar, fui arrastado por uns cem metros debaixo de água, até vir ao de cima outra vez e o Grego resgatar-me.



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